Costumo almoçar sozinho há vários anos. E uma das minhas manias é ouvir, até de maneira involuntária, as conversas da mesa ao lado. Dependendo dos lugares que se almoça as conversas são bem diferentes. Mas em geral duas ou mais pessoas falam de outras pessoas que não estão com elas. Seja um colega de trabalho, familiar, fornecedor ou cliente.
Segundo o antropologista britânico Robin Dunbar, quando conversamos é que reforçamos nossos laços sociais. Passamos pelo menos 20% do nosso tempo conversando. E falar sobre outras pessoas ou sobre situações é das atividades mais importantes para estreitar relacionamentos.
Já era assim com os primatas. Depois que desceram das árvores e formaram grandes grupos nômades nas savanas os primatas passaram a socializar através do “grooming” que, numa tradução literal, é “contato físico com as pontas dos dedos para limpeza do pêlo do outro membro do grupo”. Este “grooming” representava na cadeia evolutiva a conversinha do almoço de hoje: os primatas trocavam informações importantes sobre alianças, parceiros e inimigos apenas pelo contato ou ausência dele.
O próprio Dunbar defende que a língua e a linguagem surgiram a partir do crescimento das tribos de primatas: os grupos ficaram tão grandes que era impossível fazer “grooming” com todo mundo sem comprometer o tempo dedicado ao mais importante: caça e à alimentação. Passamos a fazer sons e evolutivamente a falar, agilizando o processo de comunicação sem o toque dos dedos. Mágica? Não, a língua e a linguagem surgiram como resultado da evolução da nossa espécie.
Século XXI. O processo evolutivo continua. Criamos gadgets, inventamos WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram para o grooming ficar ainda mais rápido. Ampliamos nossa conversinha do almoço para muito além do limite sem ampliar muito o tamanho do córtex cerebral, o mais desenvolvido entre os mamíferos.
Olhando a evolução dos primatas até os dias de hoje fica patente o quanto aperfeiçoamos o processo de transmissão de informações dentro e fora das nossas redes de relacionamento. Neste novo mundo as conversas são a nova interface. E a reputação positiva é o objetivo esperado. O mais incrível e que nós, gestores de Marketing, não percebemos: a comunicação corporativa e o marketing estão apostando cada vez mais também em conversas próximas, individuais e verdadeiras.
Há indícios:
- Estima-se que Amazon Echo e Google Home, aparatos tecnológicos que funcionam com uma interface totalmente baseada em conversações com o uso de inteligência artificial, devem vender juntos 24 milhões de unidades em 2017. (Fonte: Voice Report, VoiceLabs)
- O Facebook comemora 1 bilhão de usuários ativos na sua plataforma Messenger, sendo que há no Brasil pelo menos 100 milhões ativos mensalmente. (Fonte: Facebook)
- O WhatsApp, também do Facebook, comemorou em 2016 seu primeiro 1 bilhão de usuários ativos mundialmente. (Fonte: Facebook)
- Cortana da Microsoft e Siri da Apple também aperfeiçoam e apostam em suas interfaces de voz competindo por uma fatia deste mercado.
- Passamos mais tempo em aplicativos como WhatsApp e Messenger do que no Facebook. (E.life, Hábitos 2016)
Os bots que rodam na plataforma do Facebook somam-se às estatísticas de tecnologia para conversar. Eles hoje ajudam aqui mesmo no Brasil milhares de consumidores a resolverem desde um extrato de banco até uma senha perdida.
E as empresas? Muitas delas ainda almoçam sozinhas, não se engajam nas conversas. Não por curiosidade mas por puro medo. Ou por estarem presas em modelos de comunicação descendentes (de cima para baixo) do passado. A gente chamava isso de mídia de massa!
Mesmo quando investem em modelos conversacionais estas empresas imitam um diálogo de uma maneira falsa. Criam bots que mandam propagandas ou canais em redes sociais onde o mais importante é o alcance de suas mensagens, não o diálogo aberto e verdadeiro com os stakeholders. Falta o envolvimento genuíno numa conversa com o consumidor.
É óbvio que as marcas não devem sair se metendo em conversas alheias. Mas a era das marcas que almoçam sozinhas está acabando. Talvez eu mesmo deva aceitar mais convites para a hora do almoço.
Alessandro Barbosa Lima
CEO do Grupo E.life